A literatura Young Adult (YA) vem ganhando com frequência posições nas listas de livros mais vendidos do mercado editorial brasileiro e estadunidense. Mesmo com autores estreantes, tornam-se best-sellers imediatos, desafiando as editoras que sempre procuram a receita para o próximo grande lançamento. As casas de publicações estão cada vez mais procurando se atualizar, especializar e até se reinventar para incorporar títulos dessa esfera em seu catálogo — como é o caso da editora Nacional, que, no fim do mês de julho, lançou o selo Naci, dedicado a publicações de YA.
Esse fenômeno deve-se especialmente ao público consumidor entre 14 e 24 anos, constituído por leitores diversos, engajados, muito exigentes e ainda em formação, que compartilham suas experiências de leitura por meio das redes sociais — principalmente através do estrondoso TikTok, que movimentou, inclusive, a maior feira literária do Brasil: a Bienal do Livro de São Paulo de 2022.
O sucesso dessa categoria se fez notar já nos corredores do evento, cheios de jovens leitores. Os próprios estandes tinham seções específicas para os títulos que são fenômenos do TikTok. A programação da Bienal também deu destaque ao YA em mesas como às do Skeelo Talks, que recebeu os autores Júlia Braga, Aimee Oliveira, Pedro Poeira e Vinícius Grossos para um bate-papo intermediado por Tiago Valente — criador de conteúdo literário no TikTok —, todos agenciados pela Increasy, publicados pela Nacional e disponíveis em e-book no Skeelo Store.
O que é Literatura YA?
Durante o Skeelo Talks, Tiago Valente, que teve como tema de pesquisa na faculdade a Literatura YA, explicou a origem dessa classificação: “Ela surgiu por conta de uma bibliotecária que não sabia como indicar exatamente livros para esse público intermediário. Então, que livro indicar livros para aquele público que é muito velho para ler livro infantil, mas é muito jovem para ler livro de adulto? E aí, de perceber esse desfalque nas categorias, nas classificações, ela inventou esse nome em uma coluna de jornal, aí se tornou tão popular que hoje tem muita gente que até acha que é um gênero, mas não é um gênero, é uma categoria. Então, Young Adult, no português Jovem Adulto, é essa literatura pensada justamente para essa fase intermediária. Para jovens adultos, para esse começo da vida adulta, que é uma fase tão específica e cheia de desafios […]”.
Meg Cabot, Stephenie Meyer e Cassandra Clare são algumas das autoras que consagraram a categoria e marcaram os convidados da mesa, bem como deram espaço para que autores como Stephen Chbosky e John Green trouxessem outra característica para o YA: a fuga da fantasia e do sobrenatural. É o que Vinícius Grossos comentou: “Quando eu li A culpa é das estrelas, quando li As vantagens de ser invisível, eu encontrei ali uma magia que eles conseguiram fazer de tornar tão interessante a vida rotineira, as pequenas coisas, a nossa vida. […] E eu fiquei tão encantado com aquilo que eu falei ‘mano’, é isso que eu quero escrever […]’”.
Redes sociais e a literatura
Os leitores, cada vez mais comprometidos com as histórias, agora não apenas as indicam, mas também apontam melhorias e criam conteúdo baseado no universo desenvolvido pelos autores, como é o caso das fanfics. O estudioso Henry Jenkins apresenta, no livro Cultura da Convergência, que a internet possibilitou o leitor mais ativo, desenvolvendo a narrativa transmídia, em uma criação feita pelo consumidor, o reforço do senso de comunidade e a interação imediata entre leitores e autores.
Para alguns autores, as fanfics são o início da carreira. Foi assim para Aimee, que comentou no bate-papo que “[…] saber que pessoas que tinham só um computador e uma internet eram capazes de escrever me fez querer escrever também, e eu acho que principalmente as fanfics me deram essa esperança de ‘eu também posso ser escritora se eu conseguir terminar meu livro’”.
Já Pedro Poeira discorreu sobre como a interação com o público pode ser benéfica: “A resposta do leitor sempre foi, de novo, um grande incentivador, […] isso ajuda muito a gente no início a entender não só o que o leitor espera, mas […] isso acaba meio que te guiando até você desenvolver a sua profissionalidade. Então é muito bacana você ver que está ali em uma comunidade de pessoas que não estão apenas te consumindo, ele estão te ajudando a crescer […]”.
A internet pode ser um incentivo para os autores, mas também se prova um desafio. A começar pelas redes sociais, com atualizações constantes, mas também pela repercussão instantânea, alcance e volume de interações. “É uma coisa que a gente vai aprendendo a cada dia e principalmente por isso não ser o meu habitat natural; meu habitat natural é escrever livros”, confessou Aimee. Mas essas são situações que os autores aprendem a lidar para que suas histórias cheguem até os leitores.
Desafios e responsabilidades de escrever YA
Outro desafio é a responsabilidade de escrever para uma faixa etária ainda em formação, que vive as emoções intensamente, possui consciência social e inteligência emocional. Os autores da mesa, sendo mais velhos, comentam que é difícil manter-se atualizado quanto aos memes e vocabulário do público. Além disso, eles buscam o equilíbrio ao abordar temas sensíveis e têm a clareza de que viveram adolescências diferentes das dos leitores, e que é importante não subestimá-los.
“Pra mim, […] no caso de que já faz um tempo que eu não sou mais adolescente e aí continuar escrevendo para esse público, tem que estar sempre pesquisando o que eles estão falando”, compartilhou Júlia Braga.
Histórias representativas e a leitura sensível
Esses leitores têm revolucionado o mundo dos livros, exigindo diversidade e representatividade sem estereótipos e criativas para gerar cada vez mais identificação e personagens críveis.
Júlia Braga contou como isso passou a ser parte da sua escrita, tornando-se também uma responsabilidade para escritores que não vivem a realidade das minorias, mas que têm a consciência de abraçar a diversidade em suas obras: “Quando eu comecei a escrever eu não tinha essa preocupação, porque sou padrão. Então assim, nunca me ocorreu! Quando meu hábito de leitura foi aumentando, aí eu fui conhecendo novas realidades, eu percebi quão importante era colocar nas minhas histórias também e vi o reflexo nos leitores, eles se identificando com personagens diferentes, porque para eles é muito importante e passou a ser muito importante para mim também”.
A escrita de personagens diversos e retratados de forma responsável exige um grande estudo por parte dos autores. Assim, os leitores se sentirão representados e os personagens serão respeitados no desenvolvimento, e não apenas encaixados na história. Além das pesquisas, os autores também se utilizam da leitura sensível, na qual outra pessoa analisa o texto para que ele possa abranger com perspicácia a diversidade dos leitores, mesmo que distinta da dos autores.
“Eu tenho a responsabilidade de escrever o mundo como ele é. Sem poder podar a vida de ninguém, mas muito pelo contrário, poder exaltar a vivência daquela pessoa e fazer com que qualquer leitor se sinta visto em alguma das minhas histórias”, comentou Pedro Poeira.
A necessidade de sentir-se representado nas páginas também torna-se um incentivo para que alguns autores comecem a escrever, como explicou Vinícius Grossos: “Eu parti muito desse princípio, de querer escrever porque eu sentia falta de me ver, e agora eu estou aqui”.
A literatura dá a oportunidade de conhecer e explorar outras culturas que estão fora da rotina e zona de conforto. É o que levantou Aimee Oliveira: “Todas as realidades precisam ser contadas, e eu acho que por muito tempo a gente só leu sobre uma mesma realidade, então ter essa diversidade agora, tanto pessoas negras, pessoas gays, pessoas trans, outras nacionalidades, eu acho que também é muito importante para a gente conhecer outras culturas. Então, eu fico muito feliz de isso finalmente estar acontecendo”.
Apesar do grande avanço, o público precisa continuar sendo exigente, pois essa revolução na literatura partiu dos leitores e ainda há muito para conquistar e transformar, como dito por Tiago Valente: “Às vezes a gente acha que é um tema que já tá batido, que tá sendo muito falado; não tá. […] Essa preocupação é muito recente, então a gente ainda tem muito para alcançar”.
Ouça o bate-papo na íntegra: