Itamar Vieira Junior é considerado um dos maiores autores brasileiros da atualidade. A maior prova disso é o sucesso que Torto Arado alcançou em diversos países, ganhando até uma adaptação para a TV, ainda em fase de produção.
No dia 24 de abril de 2023, o novo romance do autor chegou às prateleiras das livrarias. Salvar o fogo conta a história de Moisés, que vive com o pai e a irmã Luzia em um povoado nas margens de um rio no interior da Bahia: Tapera do Paraguaçu. Os outros irmãos de Moisés estão espalhados pelo mundo e nunca voltaram. O povoado é composto principalmente de pessoas afro-indígenas dominadas pelo poder da igreja católica. Em meio a diversos acontecimentos que acabam separando a família, Luzia ainda tem a esperança de reunir todos novamente, o que pode se tornar uma realidade após um evento muito grave. E é aí que a história começa a ser refeita, emocionando e intrigando o leitor.
Em coletiva de imprensa, o autor buscou responder todas as perguntas feitas sobre o livro e trouxe reflexões muito importantes sobre a obra. Salvar o fogo está disponível para compra, para adquirir o seu basta clicar aqui. Para conferir todas as obras de Itamar Vieira Junior, clique aqui. Além disso, Torto Arado está disponível no aplicativo Skeelo.
O SILENCIAMENTO E PARALELO COM O BRASIL
Uma dessas reflexões é o silenciamento que as personagens sofrem, algo que também foi construído em Torto Arado, quando a personagem Belonísia perde a língua. Itamar diz que é um acontecimento emblemático, porque é uma personagem que não tem voz para o mundo, mas que a maravilha da literatura é poder acessar os pensamentos dessa mulher e é lá que não encontramos silêncio. “Ela é uma fera rugindo, uivando, falando o tempo todo, é uma força da natureza. O grande barato é esse: não vemos apenas a personagem, vamos conhecer todo o seu universo”, diz o autor.
Itamar reforça: “a brutalidade do colonialismo, de toda a nossa experiência social e existencial da formação do Brasil, impôs esse silenciamento de maneira ostensiva. Isso é internalizado pelas próprias famílias. Em Torto Arado existia um afeto mais dado nas personagens entre si, em Salvar o fogo esse afeto é muito contido.”
Falando sobre a formação do Brasil, o autor também traz um pensamento importante sobre os paralelos que são feitos com a questão de silenciamento de uma comunidade. “O meu olhar está voltado para uma parte expressiva e, talvez, predominante da nossa população que, historicamente, foram silenciadas. Ainda que isso não seja uma imposição e que cada um crie sua estratégia de romper com o silêncio, são personagens que aprenderam a conviver com ele, elas aprendem a se portar diante de um mundo tão hostil”, diz Itamar. “Além de afetos, eu procuro verbalizar esses pensamentos. No fim, esse muro de silêncio é sempre rompido, não necessariamente por uma voz, mas pelas circunstâncias e pela ação dessas pessoas no mundo, com atos e gestos”.
Itamar ainda acrescenta que buscou manter a identidade do Brasil na narrativa em uma questão muito importante: a vida sem um território, ou seja, pessoas que passam a vida sem ter um chão para chamar de seu. “Estou pensando nas pessoas que vivem em processo de desterritorialização e penso que meu olhar estará voltado para aqueles que de fato estão na linha de frente desse processo de expropriação. Pude ver pessoas vivendo esses conflitos que são narrados, sendo silenciadas e esquecidas”, conta. “Durante muito tempo, eu como leitor de literatura brasileira fiz busca por pessoas que espelhassem a condição da minha família, das minhas origens, das pessoas que conhecia, da minha comunidade. Depois, trabalhando com pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, eu não via a situação delas sendo narrada nas artes”.
CONSTRUÇÃO FEMININA E QUESTÕES RELIGIOSAS
Existe uma presença feminina muito forte nas obras de Itamar Vieira Junior. O autor diz que suas inspirações vieram de mulheres que sempre estiveram ao seu redor. “Todas as mulheres que me cercam carregam forças distintas e elas emergem com força nas minhas personagens. Se estamos falando de histórias que trazem uma perspectiva decolonial, com outro olhar sobre a história e personagens do Brasil, devemos nos lembrar que a antítese do Brasil foi projetada por homens”, diz. “Tudo aquilo que permanece como nocividade na nossa sociedade tem relação com esse pensamento patriarcal. Essa história vai trazer tudo aquilo que foi apagado e silenciado, o que tem muito a ver com as mulheres”.
Além da presença das mulheres, Itamar também foi questionado sobre a presença da religião em Salvar o fogo e revelou que sua intenção é de narrar a igreja como cúmplice do empreendimento colonial a partir das perspectivas das personagens. “O mosteiro controla tudo naquela região. O cristianismo apagou muita coisa que existia antes: a primeira coisa que se colocou na América foi uma cruz e essa cruz ainda é uma sombra nas nossas vidas. A igreja era uma grande detentora de escravizados no período colonial e muitos deles eram tratados com a mesma crueldade”, diz. Itamar também diz que a história é um convite a refletir sobre o papel da igreja no desenvolvimento do país.
CONSTRUÇÃO DE UNIVERSOS E A PRESSÃO PARA ESCREVER
Torto Arado e Salvar o fogo tem algumas coisas em comum e Itamar confessa que isso é reflexo da história de sua família. “Eu vim de uma família que são pessoas muito semelhantes às personagens que habitam aquilo que escrevo”, conta. “Acho que a história sempre foi contada por aqueles que se julgam vencedores. Me interessa escrever aquilo que não foi escrito, a história daqueles que não puderam escrever suas histórias”.
Sobre ser pressionado para escrever outros romances, Itamar relembra a célebre frase de Clarice Lispector: “Quando não escrevo, estou morta”. O autor diz que só um trauma muito grande poderia fazê-lo parar de escrever e que a literatura sempre fez parte de sua vida. Apesar de ter consciência de que, com o sucesso de Torto Arado, um certo bloqueio poderia surgir, o autor afirma que buscou tempo e equilíbrio para voltar a escrever. “Penso que se não escrever é estar morto, então escrever é estar vivo, porque você está cercado de personagens e de narrativas. Nunca vou me pressionar para ser um escritor de sucesso e jamais vou compreender o que faz um livro ser um sucesso ou um fracasso editorial porque isso é muito relativo. Não me pressionei em nenhum momento e ainda não me pressiono nas coisas que tenho para fazer. Prefiro continuar vivendo como sempre vivi”, responde.
BASTIDORES E CRÍTICAS
Quando questionado sobre seus bastidores de escrita, Itamar responde com muito bom humor que não costuma ser tão organizado: é possível reparar por causa do cenário que o cerca – livros e anotações para todos os lados. “Eu gosto desse caos, me ajuda a pensar. Mas exijo uma disciplina: disponibilidade diária para escrever é muito importante. Acho que algo organizado me deixa improdutivo. Preciso estar em um ambiente doméstico, em silêncio, um lugar familiar. Gosto da minha bagunça organizada que depois resulta em alguma coisa”, brinca.
Uma parte do processo de publicação do livro são as críticas. Itamar confessa que não gostaria de ler, mas que acidentalmente acaba lendo. O autor aproveita o ensejo para encerrar a coletiva com um conselho àqueles que gostam de escrever: “Críticas sempre vão ser interpretações pessoais. A crítica é legítima, ela deve existir, vivemos em um mundo sem censura, mas se você quer seguir com seu projeto literário não leia nem as positivas nem as negativas”. Itamar explica que críticas negativas podem simplesmente jogar a pessoa para baixo enquanto as positivas inflam o ego. “O ideal é não ler. O que a crítica tem a dizer cabe apenas à crítica”, conclui.
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