Prêmio Oceanos 2023: conheça os bastidores da premiação literária

O Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa 2023 será especial. Além de bater recorde de obras inscritas, dos diversos países falantes de língua portuguesa, terá, pela primeira vez, um único vencedor de cada categoria. Agora, as obras participantes estarão divididas entre as classificações de poesia ou prosa. O anúncio dos vencedores do Prêmio Oceanos vai acontecer em dezembro, no Brasil, e a cerimônia de 2023 será a primeira a ser feita de forma presencial desde 2019.

Além disso, o Skeelo é patrocinador da edição 2023 do prêmio Oceanos! Para entrar no clima da premiação, preparamos uma seleção na Loja Skeelo de livros vencedores das edições anteriores e trazemos uma entrevista exclusiva com Manuel da Costa Pinto, curador do prêmio. 

A seguir, ele fala sobre o trabalho na preparação da premiação, desde o acompanhamento das inscrições até agora, sobre a relevância que o Oceanos vem ganhando edição após edição e muito mais. Confira!

Skeelo: Como é o trabalho de curadoria de um prêmio como o Oceanos?
Manuel da Costa Pinto: A curadoria do Oceanos é dividida por quatro curadores, que atuam em Portugal, Brasil e países da África que têm a língua portuguesa como um de seus idiomas. A grande maioria dos livros que concorrem ao prêmio foi inscrita nesses países, cabendo aos respectivos curadores várias ações – todas elas em diálogo com a equipe do Oceanos coordenada por Selma Caetano. 
As principais ações são validar as inscrições dos livros, que devem obedecer aos critérios do regulamento do prêmio (tais como ano de publicação, ineditismo e enquadramento nos gêneros literários contemplados), escolher, sempre em interação com a coordenação, o corpo de jurados que avaliarão as obras na fase inicial e acompanhar as avaliações dos jurados, identificando possíveis discrepâncias entre as notas.

Quais são as etapas do trabalho, das inscrições até a premiação final?
São basicamente três: após as inscrições, os livros são encaminhados (em suporte digital) para os diferentes jurados, que leem e atribuem notas às obras na plataforma do Oceanos, definindo os livros semifinalistas. Nessa etapa, os jurados também votam nos nomes de outros jurados para compor os júris subsequentes. Definidos esses júris e os livros classificados, os jurados do júri intermediário avaliam as obras semifinalistas e escolhem os finalistas, que serão lidos pelo júri final para definir os dois vencedores (nas categorias Poesia e Prosa/Dramaturgia) da edição do Oceanos.

Das 2.658 obras que estão concorrendo, 2.383 são de autores brasileiros. É uma diferença bem grande em relação aos outros países falantes de língua portuguesa – como você observa essa disparidade?
Essa disparidade se deve fundamentalmente a duas razões – demográficas e histórico-sociais. Enquanto o Brasil é um país continental, com mais de 200 milhões de habitantes, os demais países são bem menores (Portugal, por exemplo, tem cerca de 10 milhões, enquanto Angola e Moçambique têm populações que giram na casa de 30 milhões e Cabo Verde, meio milhão). A prevalência de livros brasileiros, portanto, é proporcional ao conjunto da população. Mas essa razão demográfica não explica porque Angola e Moçambique tenham um número comparativamente pequeno de inscritos – pois, mantida a proporção obras/população, esses países deveriam ter maior número de inscrições do que Portugal, Cabo Verde ou Timor Leste. Nesses casos, existem fatores históricos e culturais, pois são nações que viveram momentos políticos turbulentos nas últimas décadas, o que inibiu o estabelecimento de um circuito editorial sólido. Além disso, são países em que as diversas línguas autóctones têm um peso igual ou maior do que o idioma português, de modo que os falantes de português que produzem literatura são em número bem inferior aos de Portugal e Brasil, em que o idioma é hegemônico.

A edição deste ano bateu recorde de inscrições e número de editoras participantes. Acredita que o prêmio Oceanos tem ganhado mais relevância, tanto no Brasil quanto nos outros países de língua portuguesa?
Sem dúvida, é um fenômeno crescente. A cada edição, há um número cada vez maior de livros inscritos, o que indica estatisticamente uma maior capilaridade do Oceanos e seu reconhecimento como premiação de referência no idioma português em todo o mundo. O Oceanos é o principal prêmio para a literatura em língua portuguesa de abrangência internacional. Existe, claro, o importantíssimo prêmio Camões, atribuído a escritores de língua portuguesa de quaisquer nacionalidades – mas o Camões é um reconhecimento pelo conjunto da obra, uma espécie de prêmio Nobel de Literatura da língua portuguesa, ao passo que o Oceanos avalia a produção literária contemporânea, ano a ano, constituindo um radar ou termômetro de tendências e valores literários.

Como você vê a importância da participação dos países africanos falantes de língua portuguesa no prêmio Oceanos? O quanto você acredita que a premiação é importante para difundir as obras produzidas nestes países para os demais territórios que falam português?
Esse é um dos grandes objetivos do Oceanos: integrar ou colocar em diálogo as literaturas de língua portuguesa de todo o mundo, com especial atenção para os países da África, enfatizando as identidades e diferenças específicas dentro desse substrato comum que é a língua – algo que só pode ocorrer mediante a existência de um canal objetivo, que conecte autores, editoras e leitores, ampliando seu conhecimento recíproco. Não é por outro motivo, aliás, que o prêmio se chama Oceanos – uma referência tanto à história das navegações que criaram espaços lusófonos em todos os continentes como, num contexto mais benigno, pós-colonial, uma metáfora na qual as águas da língua portuguesa banham diferentes geografias e culturas, expressando formas diversas de lidar com esse legado comum. 

Sobre as últimas edições, é impossível não mencionar o vencedor de 2020: “Torto arado”, de Itamar Vieira Junior. O prêmio foi fundamental para que o livro se tornasse conhecido não apenas no mundo, mas dentro do próprio Brasil. Como você analisa a projeção que a obra do Itamar ganhou desde que recebeu o prêmio Oceanos? Na sua opinião, quais são os grandes diferenciais de “Torto arado”?
O Oceanos certamente contribuiu muito para a grande repercussão de Torto Arado, embora pessoalmente acredite que o grande sucesso de um livro tenha múltiplas explicações – desde seu valor intrínseco como obra de arte até o contexto em que surge, que pode ser mais ou menos receptivo a suas temáticas. No caso de Itamar Vieira Junior, além da maestria literária, deve-se atribuir a recepção do livro ao fato de que ele conflui para um movimento de revisão histórica no qual vozes por muitos séculos silenciadas; não apenas reivindicam seus direitos como, a partir dessa reivindicação política, iluminam riquezas subjetivas e culturais que haviam permanecido à sombra. No que diz respeito à premiação de Torto Arado pelo Oceanos, basta dizer que o romance de Itamar Vieira Junior materializa a própria finalidade do prêmio: ampliar tanto o conhecimento das culturas e vivências existentes no âmbito de uma geografia atravessada pelo idioma português (e em fricção com outras tradições culturais, religiosas ou mesmo linguísticas) quanto o conhecimento das novas possibilidades criativas da literatura contemporânea.

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