A tradução é um dos elementos mais importantes de uma obra literária. Os conhecimentos exigidos ao profissional da tradução vão muito além do idioma: é preciso que o tradutor tenha experiências com pesquisas para adquirir uma compreensão maior da cultura relacionada ao idioma em questão.
Além de dar acessibilidade, os tradutores também têm a capacidade de transmitir o conteúdo de forma que faça sentido para quem está lendo.
O Blog do Skeelo convidou Amanda Moura para uma entrevista sobre os ofícios da profissão do tradutor. Amanda é tradutora literária e fundadora da escola Amanda Moura Editorial, onde leciona cursos presenciais e online de tradução, preparação e revisão de textos. Confira a seguir o bate-papo.
Qual é a importância de fazer a tradução de uma obra?
Ufa, essa parece uma pergunta simples, mas só parece mesmo (rs). Peço ao/à leitor/a que não desista de mim, vai valer a pena (assim espero). Bom, pra responder é preciso separar (brevemente, para depois unir com muita força, fundir) “tradução” e “literatura”.
A tradução permite eliminar ou encurtar distâncias em diferentes planos. Pense em quantos medicamentos, eletrodomésticos, eletrônicos, alimentos, meios de transporte entre outras coisas temos acesso graças à possibilidade de tradução de manuais, bulas, contratos e por aí vai. Mas você me perguntou sobre a literatura. Ela é um campo de difícil delimitação dada a sua complexidade, mas considerada, por boa parte de teóricos e estudiosos, uma arte, portanto, um objeto estético. Como uma expressão da arte, a literatura é um meio que permite a justa apreensão do Belo. E por que a literatura é uma expressão do Belo? Porque ela transcende a nossa existência, transporta o interlocutor para um lugar diferente daquele que ele ocupa, um lugar que a mera existência física é incapaz de alcançar.
É por isso que a literatura é um lugar privilegiado para a expressão das grandes questões humanas, e a tradução de obras estrangeiras permite o acesso à cultura, aos costumes, valores e tradições de outras nacionalidades, coisa essencial para a formação do nosso pensamento, para o entendimento da nossa própria existência, para o nosso conhecimento de mundo e para a compreensão do próprio desenvolvimento da humanidade.
2. Quais são as maiores dificuldades na hora da tradução?
Cada obra implica questões específicas, mas com certeza encontrar o “tom” a “voz” da narrativa, do personagem é um dos procedimentos complexos da nossa atividade, tanto na ficção quanto na não ficção (importante dizer isso, porque a não ficção envolve também muita complexidade). Emprestar a sua voz para o outro, ainda que você não concorde com aquele tema/questão ou que ele esteja muito distante da sua realidade é sem dúvida um desafio e tanto. Mas podemos falar também de dificuldades de outra natureza, como prazos apertados, originais mal escritos, baixa remuneração, clientes difíceis de lidar, e da “patronagem” (termo cunhado por Lefevere)… A tradução envolve um mergulho muito profundo num dado texto, ela demanda um período longo de aprendizagem. O Brenno Silveira diz, naquele livro A arte de traduzir, que o trabalho do tradutor é um dos trabalhos intelectuais de maior importância e responsabilidade, é algo de médio/longo prazo, que exige muita dedicação, e nossa profissão carece de mais reconhecimento no Brasil, e me refiro não só ao plano da “visibilidade”.
3. O que mais te dá prazer no ofício de tradutora?
O processo da reescritura. Certa vez, ouvi o Paulo Bezerra (professor, tradutor do russo) dizer que o tradutor trabalha como um ator, porque para “encarnar” uma voz, é preciso interpretar uma personagem, depreender as nuances, comportamento, registro da língua etc., tal como um ator faz. Ele [Paulo] vai trabalhar essa ideia em alguns textos, e certa vez deparei um artigo dele em que fala da tradução como uma “ilusão empenhada”, e essa é uma expressão danada de boa (rs). Porque a ilusão empenhada significa acreditar que, apesar de todas as diferenças entre as culturas do original e do texto traduzido, é possível recriar na tradução o conjunto de sentidos do original, operar numa intersecção entre a semelhança literal e a semelhança artística, tal como um ator faz em cena. Eu, que também estudo teatro, não poderia achar uma analogia mais feliz para explicar a sensação prazerosa que é interpretar um texto e recriar seus sentidos na minha língua de fala.
Se um ator interpreta Treplev, de A gaivota, ele deve fazer a plateia acreditar que está diante de Treplev, para isso, vai precisar estudar todas as características desse personagem, seus hábitos, costumes, sentimentos, ações, comportamento, o(s) conflito(s) que o envolve(m) etc. Ou seja, quando esse ator encarna Treplev, ele sabe que não é o próprio Treplev em pessoa, mas sabe também que deve lançar mão de várias estratégias para dar voz ao personagem, a ponto de fazer o espectador acreditar que está diante do próprio Treplev, sem esquecer, no entanto, que aquela é uma encenação. É meio paradoxal, sim, é, mas é um jogo que funciona perfeitamente bem e que, quando operado de maneira bem-sucedida, rende aplausos no fechar das cortinas.
4. Como se manter fiel ao original e manter o contexto proposto na versão traduzida?
Taí uma pergunta bastante polêmica. A tradução, na verdade, é polêmica e controversa. Essa questão da fidelidade sempre aparece quando surge o assunto “tradução”. A verdade é que o tradutor nunca pode buscar a fidelidade, ou seja, a fidelidade é uma quimera. Se ele fica preso a essa tentativa, não traduz. Há quem concorde e quem discurso disso. Uma coisa é indiscutível, toda tradução é um texto novo. Como já disse Geiser Campos, naquele livro O que é tradução?, “nenhuma tradução pode ter a pretensão de substituir o original: é apenas uma tentativa de recriação dele”. Isso quer dizer que toda tradução implica perda, mas também ganho. Então o tradutor pode tudo? Claro que não. Nenhuma escolha, nenhuma estratégia, nenhuma manobra pode ser fortuita. Há sempre uma ideia, um contexto sócio-histórico envolvido, portanto há um dado limite de interpretação, e se for para falar de fidelidade, que ela seja sempre em relação à conjuntura de sentidos que todo texto engendra.
5. Tem alguma dica para quem pretende seguir essa profissão?
Tenho várias, como professora que ama topicalizações (rs), listei dez:
1. Preocupar-se em estudar o idioma estrangeiro.
2. Preocupar-se duas vezes mais em estudar a língua portuguesa (habilidade de redação sobretudo).
3. Ficar antenado/a em relação a tudo, notícias, literatura, política, música, cultura pop, comportamento etc. Não existe cultura inútil para o/a tradutor/a.
4. Praticar o senso de pesquisa (habilidade fundamental do tradutor!), um dos grandes meios de desenvolver a autonomia profissional.
5. Fazer cursos na área (posso fazer uma propaganda, aqui, gente? Temos cursos nas áreas de tradução, preparação e revisão, confira aqui nossa grade: www.amandamoura.com/cursos).
6. Ler bastante sobre o ofício e a profissão (artigos, livros, blogs), manter contato com profissionais da área, frequentar eventos e trocar experiências.
7. Acompanhar o canal da nossa escola, www.youtube.com/amandamouraeditorial, lá temos entrevistas com convidados e aulas abertas de temas variados e o canal Tradutor Iniciante, lá tem muuuitas dicas para quem está começando.
8. Estudar coisas “básicas” e que nem sempre (ou quase nunca) aparecem nos livros, por exemplo, como responder um e-mail da maneira apropriada, como elaborar um currículo adequado etc.
9. Familiarizar-se com ferramentas tecnológicas (como as CAT Tools) e com a inteligência artificial (inclusive o ChatGPT, que já vem sendo utilizado por colegas da área com os mais variados propósitos), sem nunca duvidar que elas são uma maneira de otimizar o nosso trabalho, jamais de substitui-lo.
10. Aprender procedimentos e ferramentas de gestão. A carreira do tradutor é, na maior parte do tempo, autônoma. Para se manter no mercado é preciso gerir a própria carreira, montar plano de ação, trabalhar com metas e planejamento, saber recalcular a rota quando necessário.
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