Carol Chiovatto: “ tudo que é grande (ou grandioso) parte de algo corriqueiro”

Destacando-se no cenário da fantasia nacional (que cresce a cada ano), Carol Chiovatto consegue criar realidades mágicas em ambientes absolutamente brasileiros. A autora conta com três obras já lançadas: Porém bruxa (2019), Senciente nível 5 (2020, finalista do Jabuti) e Árvore inexplicável (2022).

Graduada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Letras, Carol valoriza a união de temas socialmente importantes e entretenimento de qualidade em suas obras. Com isso, nos entrega livros fantásticos, divertidos e profundos ao mesmo tempo. 

Em entrevista para o Skeelo, a autora traz um pouco de sua jornada na escrita, suas inspirações literárias, a construção de enredo e ambientação, a relação com os leitores e os próximos projetos. Confira!

Skeelo: Você é reconhecida pela escrita leve e fluida de temas super complexos, futuristas e fantásticos. Como foi o processo de começar a escrever e quando isso aconteceu? Tem alguma dica para autores iniciantes?

Carol Chiovatto: Eu não sei exatamente como escolhi essa abordagem para a minha escrita. Eu sabia duas coisas: que gostaria de trabalhar temas importantes na contemporaneidade, por mais difíceis que sejam, e que gostaria de, ainda assim, escrever entretenimento de qualidade. Muita gente fala das duas coisas como se fossem excludentes, e opostas à ideia de arte, mas a literatura é a crônica do seu tempo, e não vejo por que obras comerciais não possam abraçar essa vocação. 

Afinal de contas, para mergulharmos na narrativa enquanto leitores, ela e as personagens vivendo a história têm de falar conosco em algum nível. Quando as personagens vivem a nossa realidade, mesmo se não exatamente as mesmas experiências, nós as sentimos próximas, como se fossem nossas amigas.

Para escritores iniciantes, eu sempre digo três coisas: 1) leia muito, e de tudo (não adianta ler só os gêneros que você quer escrever, porque aí não vai ter muitas referências e a obra pode sair meio engessada); 2) escreva muito (pois a ideia é uma coisa, transformá-la em realidade num texto é outra, e exige esforço e prática); e 3) seja paciente (tudo é muito lento no mercado editorial. Ter pressa para publicar gera frustração e pode matar uma carreira antes mesmo de ela nascer.).

O foco de sua escrita é a literatura fantástica. Em Porém bruxa, por exemplo, a fantasia domina até as linhas de metrô de São Paulo. Quais são os maiores desafios de escrever esse tipo de história para e como seus leitores recebem essas narrativas?

Tem sido muito legal trabalhar com um cenário brasileiro nos meus livros, tanto em Porém bruxa quanto em Árvore inexplicável, primeiro porque dá muito prazer produzir na minha terra um tipo de história que sempre amei, mas sempre se passou em outros lugares, por causa da penetração das produções estadunidenses no nosso mercado e no nosso imaginário. 

Os leitores que me escrevem têm amado justamente essa identificação, esse reconhecimento, esse sabor de ler nossas palavras na boca das personagens e dos narradores, nossas expressões, cenas cotidianas que nós vivemos o tempo todo ou testemunhamos. Dá uma sensação de maior realidade, de familiaridade, mesmo quando estou falando de bruxas ou outras pessoas com poderes estranhos.

É comum que escritores sejam leitores assíduos. Você foi influenciada a escrever pelos livros que leu? Quais são suas obras e autores preferidos?

Os livros que li sempre me fizeram querer escrever os meus. Queria causar o maravilhamento que me vem ao ler um livro bom. Minhas obras e autores preferidos variam muito dependendo da época. Eu leio muita fantasia e ficção científica, mas também narrativas românticas, ficção literária, não ficção. Acho que cada coisa combina com um humor e me inspira de alguma maneira. 

Eu amo China Miéville e Jeff Vandermeer, autores de new weird, Ursula le Guin, Becky Chambers, Arthur C. Clarke e Asimov; Nnedi Okorafor; Jane Austen, Beth O’Leary, Ali Hazelwood; Steven Erikson, NK Jemisin, mas a minha preferida das gringas no momento é a Naomi Novik. Minhas maiores inspirações como escritora hoje são colegas cujo trabalho admiro: Samir Machado de Machado, Eric Novello, Felipe Castilho, Fernanda Castro, Paola Siviero, Jana Bianchi, Jarid Arraes, Antônio Xerxenesky, Daniel Galera, Jefferson Tenório, Ana Rüshe, Ana Paula Maia, Cristhiano Aguiar, Stefano Volp, Giu Domingues, Pedro Rhuas… A lista é longa e estou longe de terminar. 

Nem todos escrevem o mesmo tipo de coisa que eu, mas não precisa. Cada um tem um projeto de escrita e eu fico encantada de viver na mesma época em que a literatura brasileira têm se mostrado tão rica e diversificada.

Você foi finalista do Prêmio Jabuti 2021 com Senciente nível 5, um livro que aborda fortemente o tema da Inteligência Artificial. Como é o processo de pesquisa para trabalhar temas tão complexos com tamanha naturalidade?

 A questão da inteligência artificial está mais em voga agora do que quando escrevi o livro, né? Hahaha. Mas ainda assim é um tema caro à ficção científica há muito tempo. Eu acompanho há anos discussões a respeito dentro e fora da ficção, e para esse livro queria oferecer uma visão diferente do que tenho lido sobre o comportamento de uma inteligência artificial em relação a seres orgânicos. 

Para assuntos menos futuristas (ou eu deveria dizer “presentistas”?), eu me baseio principalmente em pesquisas de várias áreas e notícias de jornal. Quanto à naturalidade da escrita (obrigada!), isso tem a ver com pensar as personagens dentro dos temas que escolhi trabalhar. 

Eu parto do micro, do cotidiano da personagem e de suas relações pessoais, e chego ao macro, que são os grandes temas de cada livro, geralmente se encaminhando pra política e sociedade. Mas tudo que é grande (ou grandioso) parte de algo corriqueiro, que a gente vê ou vive. Mesmo em Senciente nível 5, com suas batalhas espaciais, o tema central gira em torno de duas culturas diferentes tentando se entender.

Sendo mestre e doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, você considera que sua formação acadêmica influencia na sua criação literária?

Na verdade é o contrário: escolhi minha formação acadêmica por causa da criação literária, e daí acabei sendo recompensada com habilidades e conhecimentos novos para aplicar à minha escrita ficcional! Escrever para mim sempre foi o mais importante, mas sabia desde cedo que não poderia ser a minha profissão principal, porque infelizmente não dá para se sustentar com a escrita. Quando estou mais otimista, penso: “não ainda”. Mas de qualquer forma, a carreira de escritora é longa e exige certa persistência, então eu fui escolhendo um caminho que me parecia se relacionar com a escrita. 

Direciono minhas pesquisas para meus interesses de escritora, e daí as duas coisas se retroalimentam. Por exemplo, pesquisei sobre a figura da bruxa no doutorado, quando já tenho três romances sobre bruxas prontos há anos e, bem, escrevi Porém bruxa (publicado durante o doutorado) e a sequência que vai sair logo mais.

No seu último lançamento, Árvore inexplicável, a protagonista vive entre idas e vindas de Guarulhos à Cidade Universitária, em São Paulo. Em suas obras, encontramos cenários muito conhecidos, principalmente entre aqueles que vivem nos metrôs, trens e ônibus desta enorme cidade. Como você define a ambientação dos seus romances e como os adapta a ambientes futuristas?

Essa ambientação, principalmente em Árvore inexplicável, veio do meu cotidiano. Morar na periferia (numa cidade-dormitório, como chamam aquelas como Guarulhos, onde grande parte da população trabalha na capital, meu caso, aliás). A quantidade de gente! Todos os dias! O trânsito! Isso é um modo de vida, escolhido ou imposto, e afeta a forma como enxergamos as coisas. Não tinha como não aparecer na minha obra. 

Além disso, eu fiz uma escolha consciente por cenários familiares. A gente cresce vendo Nova York ou Londres, realidades que em alguma medida podem até parecer a nossa, mas são essencialmente diferentes, e eu ficava imaginando como seria uma personagem como as que eu amava andando na Paulista em vez da Quinta Avenida. Os escritores de lá escrevem com base na vivência; eu, quando pequena, escrevia com base na referência. Neles. No material que eu consumia. É um choque perceber isso. 

E a partir daí cada escolha se torna consciente, me faz olhar para o lado, abstrair a referência estrangeira e procurar o extraordinário naquilo que está diante de meus olhos. Isso se traduz de muitos modos diferentes nas minhas obras em universos alternativos, em outras realidades, futuristas ou não, mas acho que a principal é através das relações entre as personagens. A forma como vivemos a cidade molda nossas relações interpessoais, para o bem e para o mal, e eu levo isso para qualquer gênero que escreva.

Quanto aos seus próximos projetos, o que vem por aí? Pode nos dar algum spoiler do que está preparando?

A continuação de Porém bruxa está no forno e mal vejo a hora de anunciar! Posso dizer que é uma nova investigação de um crime sobrenatural, envolvendo amigos carismáticos, personagens novas e antigas, maior do que o livro anterior. O romance continua não sendo o foco, mas dessa vez vai estar lá hahaha.

Depois desse, tenho na gaveta duas fantasias históricas (com bruxas no Brasil colonial), um YA de bruxas contemporâneo, além de projetos em fase avançada: uma alta fantasia baseada no Brasil histórico e não num cenário medieval (com magos haha), duas distopias, uma focada no romance e outra na revolução… Muito livro brigando pela sua vez de ser escrito!

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